Xamanismo

A cosmovisão xamânica:

Não existe mais nenhuma cultura indígena genuína, não modificada pelos mêmes da cultura dominante e global. Apesar do contágio cultural, estudos antropológico revelam a natureza do sistema de crenças dito ‘xamânico’.

No sistema de crenças xamânico, acredita-se que o mundo aparente é dominado por forças paralelas, supernaturais. Essas forças, agindo por impulsos próprios ou dirigidas por xamã, poderão ser benéficas, ou não.

Tendo natureza sutil e oculta, essas forças só podem ser reconhecidas e manipuladas através de estados ampliados de consciência, manifestos como estados de transe, implicando a necessidade de especialistas capazes de penetrar e agir nesse mundo oculto: os xamãs.

O sucesso não é garantido; a peleja entre xamãs de diversas afinidades gera graus de hierarquizações por mérito, em função das suas habilidades e eficiências em obter os resultados desejados.

Qualquer pessoa, homem ou mulher, pode tornar-se xamã mediante instruções, conhecimentos, aquisições de forças mágicas, talismãs, poderes, acumulados e obtidos por troca de benefícios e presentes.

Os xamãs, devidamente instruídos e fortalecidos, lançam os seus fluidos (influências e magias na forma de espíritos de animais, plantas, encantações, sopro e humores) ao encontro dos seus alvos, de acordo com as suas intenções, para remediar, cativar, proteger ou encantar.

A análise da visão xamânica e dos seus processos demonstra elementos importantes e fundamentais:

empirismo: faz parte das doutrinas xamânicas o cultivo de uma percepção e interação direta com o mistério através do imaginário e elementos naturais;

universalismo: todos podem tornar-se xamãs através da transmissão de conhecimentos específicos, da educação da percepção, de aprendizagem e treinamentos;

realismo: o xamã não é um ‘super-homem’, um herói incomum, ele é um guerreiro do oculto, mas, igualmente, uma pessoa comum, capaz de obter sucesso ou fracassar;

paradoxalidade: o xamã é ambíguo, humano; embora relacionando-se com o oculto e mistério, é um individuo polar e falível.

holismo: há, no xamanismo uma aglutinação, uma mescla, do sagrado e do natural, do espiritual e do material, do objetivo e do subjetivo.

Aqui desenha-se, na cultura indígena, uma teofania específica, caraterizada pelo cultivo de um relacionamento operante, cotidiano, com o mistério, afirma-se o esboço de uma unificação funcional nas várias dimensões da experiência existencial, um processo sintônico a com a visão pós-moderna, uma integração dos planos metafísicos com os planos sensíveis, com o cotidiano. Em relação à civilização global, dominante, a absorção e incorporação de alguns dos valores e elementos xamânicos, acontece através de diversos movimentos transformadores, processos sociológicos, sub-culturas, reforçando diversas tendências:

Uma realocação do sagrado. Embora entendido como essencialmente ‘supernatural’, o sagrado é redirecionado de uma posição de transcendência absoluta para uma posição imanente, numa forma mais plural, transacional, pouco herarquizada, resultando num politeísmo ou panenteismo funcional, hoje recrudescente. Um sagrado mais evidente e próximo, circundante e palpável, manipulável através de uma tecnologia naturalista e acessível, prática, atesta a perduração e ressurgimento (como neo-paganismos, neo-xamanismos) das formas religiosas prevalecentes antes do advento histórico do idealismo e imperialismo messiânico e cultural.

Uma revitalização e democratização do messianismo. A figura mais trivial do xamã agiganta-se, trazendo a auréola dos heróis à esfera do cotidiano. Um herói próximo, um vizinho, veiculando significados essenciais com simplicidade, naturalmente, por intermédio de uma poção, de um chá. Nesse processo, renasce, multiplicado, o homem-deus, o mensageiro divino, o condutor de almas, o guia: novas esperanças, novas igrejas e novos cultos.

Uma busca de unicidade. As práticas humanistas, naturalistas pragmáticas, reintegram as visões ampliadas da realidade ao acervo científico, filosófico, psicológico e médico da modernidade. O ‘sagrado’, antes idealístico e elitista, passa a ser a natureza, o universo, um conceito comprovável, implicando uma nova revelação, uma experiência mística, reintegrando as dicotomias rigorosas numa totalidade, reconstruindo unicidade.

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