1 – Resolução do CONFEN sobre a ayahuasca
2 – Carta de princípios para o uso da Ayahuasca
3 – Da deontologia do uso da Ayahuasca no Brasil
1 – RESOLUÇÃO DO CONFEN SOBRE A AYAHUASCA:
ATA DE REUNIÃO DO CONSELHO FEDERAL DE ENTORPECENTES – CONFEN
Publicado no Diário Oficial, Seção 1, N.º: 11467
Em 24 de AGO 1992. (Of. n.º: 157/92)
CONSELHO FEDERAL DE ENTORPECENTES – ATA DE 5ª REUNIÃO ORDINÁRIA
(Realizada em 2 de Junho de 1992)
Às nove e trinta horas (9:30), do dia dois (02) de junho de mil novecentos e noventa e dois (1992), reuniu-se, na Sala de Reuniões do Edifício Anexo II do Ministério da Justiça, Brasília – DF, o Conselho Federal de Entorpecentes (CONFEN), em sua Quinta (5ª) Reunião Ordinária do ano de em curso, sob a Presidência da Dr.ª Ester Kosovski, representante titular do Ministério da Justiça. Presentes os seguintes membros : CÂNDIDA ROSILDA DE MELO, Representante Titular do Ministério da Educação; DITA PAULA SNEL DE OLIVEIRA, Representante do Suplente do Ministério da Educação; ARNALDO MADRUGA FERNANDES, Representante Titular da Associação Médica Brasileira; ALOÍSIO ANDRADE FREITAS, Representante Suplente da Associação Médica Brasileira; UBYRATAN GUIMARÃES CAVALCANTI, Representante Suplente do Ministério da Justiça; FRANCISCO DA COSTA BAPTISTA NETO, Representante Titular do Ministério da Justiça; CARLOS CÉSAR CASTELLAR PINTO, Representante Suplente do Ministério da Justiça; DOMINGOS SÁVIO DO NASCIMENTO ALVES, Representante Suplente do Ministério da Saúde; WILSON ROBERTO GONZAGA DA COSTA, Representante Titular do Ministério da Trabalho; MARIA DULCE SILVA BARROS, Representante Titular do Ministério das Relações Exteriores; ÁLVARO NUNES DE OLIVEIRA, Representante do Ministério da Economia Fazenda e Planejamento; CECÍLIA ISABEL PETRI, Representante Suplente do Ministério da Economia Fazenda e Planejamento; SÉRGIO SAKON, Representante Suplente da Secretaria de Polícia Federal, DOMINGOS BERNADO GIALLUISI DA SILVA SÁ, Representante Titular Jurista e NÉLIO ROBERTO SEIDL MACHADO, Representante Suplente Jurista. Contou ainda com a presença da Dr.ª ANA LÚCIA ROCHA STUDART, Coordenadora Geral de Articulação Setorial e de ADÉLIO CLAUDIO BASILÉ MARTINS, Assessor daquela Coordenação. A Dr.ª ESTER KOSOVSKI, deu por aberta a Reunião,…
TRECHOS DA ATA:
d – O Conselheiro Domingos Bernardo Gialluisi da Silva Sá proferiu Parecer sobre o “CHÁ AYAHUASCA”, cujo teor foi aprovado por unanimidade e na conclusão diz: “29 – A conclusão proposta, em 1987, no Relatório final, resultante dos estudos desenvolvidos pelo Grupo de Trabalho; constituído pela resolução do CONFEN, n.º 04, de 30.07.1985, tem sido mantida pelo CONFEN, ao longo de suas várias gestões. Não vejo porque mudá-la. Muito ao contrário, há hoje um sério argumento, que se soma aos demais, para confirmá-la – o tempo transcorrido, desde 1986, quando se deu a suspensão provisória da interdição. São seis anos de acompanhamento, pelo poder público, do uso da ayahuasca no Brasil, após sua proibição em 1985, época em que foi interrompida a utilização que dela se fazia, havia décadas. 30 – O tempo contribuiu para mostrar que o CONFEN agiu e vem agindo com acerto. A comunidade soube exercer os seus controles de forma plenamente adequada, sem qualquer interferência do Estado que, de outra forma, apenas criaria problemas com desnecessária e indébita intervenção. ISTO POSTO, submeto à soberana decisão do Plenário, agora as seguintes recomendações: a – a ayahuasca, cujos principais nomes brasileiros são “Santo Daime” e “Vegetal”, e as espécies vegetais que a integram o “Banisteriopsis Caapi”, vulgarmente chamado de cipó jagube ou mariri e a “Psychotria Viridis”, conhecida como folha, rainha ou chacrona, devem permanecer excluídos das listas da DIMED ou do órgão que tenha responsabilidade de cumprir o que determina o art.36 da Lei n.º 6.368, de 21.10.1976, atendida, assim, a análise multidisciplinar constante do Relatório Final, de setembro de 1987 e do presente parecer; b – poderá ser objeto de reexame o uso legitimo da ayahuasca, aqui reconhecido, bem como aliás de qualquer outra substância com atuação no Sistema Nervoso Central, desde que com base em fatos novos, cujos aspectos substantivos ou essenciais não tenham sido, ainda, apreciados pelo CONFEN, tendo em vista que o acatamento a decisões relativas a matérias sobre as quais já se haja pronunciado o Colegiado, é fator de estabilidade das relações no âmbito da própria Administração Pública e perante os interesse individuais envolvidos; c – deve ser organizada comissão mista integrada pelo CONFEN que poderá convidar assessores, e por representantes de entidades que observam o uso da ayahuasca em seus ritos com o objetivo de consolidar os princípios e regras básicas, comuns ás diversas entidades referidas, para fins entre outros, de acompanhamento da Administração Pública; d – fazem parte integrante e complementar do presente parecer, o relatório final e os documentos que os instruíram, apreciados pelo CONFEN em sua reunião plenária e setembro de 1997 e que ora são reapresentados, por cópia, para os arquivos do CONFEN e atendimento aos eventuais pedidos de esclarecimento formulados pelos interessados em geral “.
2 – CARTA DE PRINCÍPIOS PARA O USO DA AYAHUASCA
Apesar da suas diversidades de rituais e doutrinas as instituições religiosas que hoje, no Brasil, fazem uso da Ayahuasca apresentam em traço em comum: o reconhecimento da importância dessa tradição milenar para a evolução da humanidade e pela sua intenção em zelar pelo uso adequado do chá, definindo de maneira inequívoca a positividade de suas respectivas instituições. Com essa finalidade, foi assinada, em comum acordo entre as maiores instituições usuárias da Ayahuasca, uma “Carta de Princípios”, estabelecendo procedimentos éticos comuns em torno do uso da Ayahuasca. A Sociedade Panteísta Ayahuasca, no artigo 29 do seu estatuto social se compromete a seguir as diretrizes definidas na Carta de Princípios assinada pelas entidades participantes do I CONGRESSO INTERNACIONAL DA AYAHUASCA, ocorrido em novembro de 1992 em Rio Branco (Estado do Acre); comprometendo-se especificamente:
1. Do preparo e do uso da Ayahuasca: A Ayahuasca é um produto da união do Banisteriopis Caapi (mariri ou jagube) e da Psychotria Viridis (chacrona ou rainha), fervidos em água. Seu uso, que é tradicional entre os povos da Amazônia, deve, nos centros urbanos, ser restrito aos rituais religiosos autorizados pelas direções das entidades usuárias, em locais apropriados sendo vedada a sua associação a substâncias proscritas.
2. Dos rituais religiosos: respeitada a liturgia de cada um e tendo em vista as peculiaridades do uso da Ayahuasca, as entidades se comprometem a zelar pela permanência dos usuários nos locais dos templos enquanto estiverem sob o efeito do chá.
3. Do plantio e cultivo: As entidades têm direito ao plantio e cultivo dos vegetais necessários à obtenção da bebida, em fase à depredação do habitat natural onde eles se encontrem mais acessíveis.
4. Dos cuidados e restrições:
4.1. Comercialização: As entidades comprometem-se a não comercializar a Ayahuasca, mesmo a seus adeptos, sendo seus custos de produção, transporte, estocagem e distribuição às filiais de responsabilidade do Centro.
4.2. Curandeirismo: A prática do curandeirismo, proibida pela legislação brasileira, deve ser evitada pelas entidades signatárias. As propriedades curativas e medicinais da Ayahuasca – que estas entidades conhecem e atestam – requerem uso adequado e devem ser compreendidas do ponto de vista espiritual, evitando-se todo e qualquer alarde publicitário que possa induzir a opinião pública e autoridades a equívocos.
4.3. Pessoas incapacitadas: Será vedado terminantemente a participação nos rituais religiosos bem como o uso da Ayahuasca, às pessoas em estado de embriaguês ou sob efeito de substâncias proscritas (alucinógenas). A participação de menores de idade só será permitida com a autorização dos pais ou responsáveis.
5. Da difusão de informações: Grande parte das controvérsias e contratempos em torno do uso da Ayahuasca – inclusive junto às autoridades constituídas – decorre dos equívocos difundidos pelos veículos de comunicação. Isso impõe da parte das entidades usuárias, especial zelo no trato das informações em torno da Ayahuasca, sendo indispensável:
5.1. Que cada instituição, ao falar aos veículos de comunicação, esclareça, obrigatoriamente, a denominação da sua entidade, deixando explícito não representar as demais entidades e usuárias.
5.2. Que cada instituição restrinja a pessoas experientes de sua hierarquia o direito de falar aos veículos de comunicação tendo em vista os riscos decorrentes da difusão inconsequente do tema, por parte de pessoas com ele pouco familiarizadas.
5.3. Quando estiver em pauta um tema comum às instituições usuárias, deve-se buscar entendimento prévio em torno do que será difundido, de modo a resguardar o interesse geral e a correta compreensão dos objetivos de cada uma.
6. Da regulamentação legal: A regulamentação do uso da Ayahuasca é objetivo prioritário das entidades signatárias desta carta de Princípios, a fim de superarem-se os obstáculos e controvérsias quanto ao uso adequado da Ayahuasca.
6.1. Cada uma das instituições signatárias por seu dirigente ou por um representante especialmente designado responderá, nos termos desta carta de Princípios, perante as demais.
6.2. Esta Carta de Princípios está aberta à adesão por parte de outras entidades usuárias da Ayahuasca cujo ingresso seja aprovado em reunião plenária, por maioria absoluta.
7. Os casos omissos serão também deliberados por maioria absoluta dos signatários da Carta de Princípios.
3 – DA DEONTOLOGIA DO USO DA AYAHUASCA NO BRASIL
Neste documento, faço um resumo e uma síntese do parecer do grupos de estudo que deliberou sobre o uso devido e justo da Ayahuasca – Régis Alain Barbier.
É do conhecimento de todos que o CONAD, órgão normativo do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, no exercício de sua competência legal aprovou parecer do colegiado que o precedeu – o CONFEN – em relação ao uso da Ayahuasca: “que fique registrado em ata, para fins, inclusive de utilização pelos interessados, que não pode haver restrição, direta ou indireta, às práticas religiosas das comunidades, baseada em proibição do uso ritual da Ayahuasca”.
As suas decisões “deverão ser cumpridas pelos órgãos e entidades da Administração Pública integrantes do Sistema” (arts. 3 o, I, 4o, 4o, II e 7o, do Decreto no 3.696, de 21/12/2000). Entre outros, o referido parecer concluiu: “deve ser reiterada a liberdade do uso religioso da Ayahuasca, tendo em vista os fundamentos constantes das decisões do colegiado, em sua composição antiga e atual, considerando a inviolabilidade de consciência e de crenças e a garantia de proteção do Estado às manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, com base nos arts. 5 o, VI e 215, § 1o da Constituição do Brasil, evitada, assim, qualquer forma de manifestação de preconceito”.
Com o objetivo de contribuir para a plena implementação do que foi discutido e aprovado “sobre o uso religioso da Ayahuasca”, foi constituído um GRUPO MULTIDISCIPLINAR DE TRABALHO [GMT] – com representantes nomeados pelo CONAD e eleitos entre diversas entidades usuárias – tendo por premissas as questões decididas pelo CONAD, deverá laborar, com ampla liberdade, na formulação de documento que “traduza a deontologia do uso da Ayahuasca”. Tal resolução foi oficialmente instalada pelo Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e Presidente do Conselho Nacional Antidrogas, JORGE ARMANDO FÉLIX, em 30 de maio de 2006, no Palácio do Planalto, em Brasília-DF.
O objetivo final do GMT, nos termos da resolução do CONAD, é identificar “o que é preciso fazer” para atender aos diversos itens que integram os direitos e obrigações pertinentes ao “uso religioso da Ayahuasca” – traduzindo, assim, a deontologia do uso da Ayahuasca: (deon, do grego: “o que é preciso fazer” + logos, também do grego: “estudo” ). A maior parte das deliberações do grupo foi consensual, e, após diversas discussões e análises, prevaleceu o confronto e o pluralismo de idéias, considerando:
USO INADEQUADO DA AYAHUASCA: 1: a prática do comércio; 2: a exploração turística da bebida, 3: o uso associado a substâncias psicoativas ilícitas, 4: o uso fora de rituais religiosos, 5: a atividade terapêutica privativa de profissão regulamentada por lei sem respaldo de pesquisas científicas – o curandeirismo, a propaganda, e outras práticas que possam colocar em risco a saúde física e mental dos indivíduos;
USO ADEQUADO DA AYAHUASCA: 1: o uso do chá Ayahuasca – produto da decocção do cipó Banisteriopsis caapi e da folha Psychotria viridis – restrita a rituais religiosos, em locais autorizados pelas respectivas direções das entidades usuárias; 2: que o processo de produção, armazenamento, distribuição e consumo da Ayahuasca integra o uso religioso da bebida; 3: que a extração das espécies vegetais sagradas integre o ritual religioso [cada entidade devendo buscar auto-sustentabilidade em prazo razoável, desenvolvendo seu próprio cultivo, capaz de atender às suas necessidades e evitar a depredação das espécies florestais nativas. a extração das espécies vegetais da floresta nativa deverá observar as normas ambientais]; 4: as propriedades curativas e medicinais da Ayahuasca – que as entidades conhecem e atestam – devem ser compreendidas do ponto de vista espiritual, requerendo um uso responsável, evitando-se propagandas que possam induzir a opinião pública e as autoridades a equívocos; 5: que os grupos que fazem uso religioso da Ayahuasca se constituam em organizações jurídicas, sob a condução de pessoas responsáveis com experiência no reconhecimento e cultivo das espécies vegetais sagradas, na preparação e uso da Ayahuasca e na condução dos ritos; 6: exercer rigoroso controle sobre o sistema de ingresso de novos adeptos, devendo proceder entrevista com interessados na ingestão da Ayahuasca, a fim de evitar que ela seja ministrada às pessoas com histórico de transtorno mental, bem como pessoas sob efeito de bebidas alcoólicas ou outras substâncias psicoativas; 7: manter ficha cadastral com dados dos participantes, informá-los sobre os princípios do ritual, horários, normas, incluindo a necessidade de permanência no local até o término do ritual e dos efeitos da Ayahuasca.
Em relação á pesquisa, o GMT sugere que deve-se fomentar pesquisas científicas abrangendo as seguintes áreas: farmacologia, bioquímica, clínica, psicologia, antropologia e sociologia, incentivando a multidisciplinaridade; sugere-se ao CONAD que promova e financie pesquisas relacionadas com o uso e efeitos da Ayahuasca. Observados os princípios deontológicos aqui definidos, cabe a cada entidade e a seus membros indistintamente, no relacionamento institucional, religioso ou social que venham a manter umas com as outras, em qualquer instância, zelar pela ética e pelo respeito mútuo e promoção dos objetivos e metas.